Nascida numa aldeia do concelho de Barcelos, frequentei a escola feminina de Balugães, onde todos os dias, à entrada, tínhamos de cantar – canção que nunca aprendi, pois estava proibida de o fazer, já que destoava muito – voltadas para os quadros do Presidente da República, Américo Tomás, e do Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, que ladeavam um crucifixo. Para continuar os estudos, integrei um colégio interno de freiras, em Ponte de Lima.
50 ANOS DO 25 DE ABRIL
Quando recebi o convite para escrever um texto sobre a Revolução do 25 de Abril, a minha mente foi de imediato assaltada pela dificuldade sobre o que dizer, pois não vivi o antes da Revolução dos Cravos. Sei apenas o que vou lendo sobre o assunto e as muitas histórias que me contam aqueles que viveram num Portugal de ditadura.
Ao celebrarmos os 50 anos do 25 de Abril, é inevitável não refletir sobre o profundo impacto que esta Revolução teve no panorama educacional português. O 25 de Abril de 1974 representou o início de uma nova era em Portugal, marcada pela liberdade, democracia e igualdade de oportunidades.
A transformação colectiva do 25 de Abril é feita de milhões de histórias individuais. A minha começou no dia em que nasci, 10 anos e dois meses depois da Revolução dos Cravos, e perdura até ao presente. Aprendi, ainda na escola, a celebrar Abril muito antes de perceber o que era ser livre; em termos gerais e omitindo a terrível violência da Guerra Colonial e da polícia política, ensinavam-nos que até à revolução se vivia sob o manto da opressão, entregues a um destino marcado por profunda pobreza material e intelectual.
“Vivemos tempos difíceis”. A expressão está gasta. Mas nunca esteve mais suja. Imunda.
Num destes dias acordei e pensei que me tinha acontecido algo sobrenatural, como nos filmes. O quarto estava igual, o bom dia caloroso dos meus filhos também, mas havia uma nuvem carregada, cinzenta.
Nos últimos 50 anos, Portugal sofreu grandes transformações nas áreas económica, política e social que o alavancou para mundo, tornando-o reconhecido como um país livre, com identidade própria e respeitado pela comunidade internacional.
“Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.”
As palavras de Maria Velho da Costa a contar dos dias em que as mulheres fizeram a revolução: a do salário igual, do direito à licença de maternidade, da casa, do acesso à saúde, de sair do analfabetismo a que estavam condenadas, de deixarem de contar os filhos entre os mortos e os vivos.
Todos os anos, pela Primavera, surpreende-se a olhá-los, a esses presos sobre quem – sem que sobre eles os anos passem fixados para sempre, jovens, surpresos de liberdade e alegria, nesse ano mágico de 74 – ano após ano se abrem as mesmas portas da mesma prisão, com um olhar onde se misturam a emoção e a inveja.
A inveja, sim.
Cambambe, 1961
As primeiras recordações de infância remontam a 1961, na construção da barragem de Cambambe, no rio Cuanza, a 200 km de Luanda, à festa de aniversário pelos meus 4 anos. Foi um dia bonito, muita animação, muitas prendas, amiguinhos filhos dos colegas do meu pai e respetivas famílias. O pior foi a noite, esperava que os meus pais adormecessem e, à socapa, “de gatas”, entrava no seu quarto e aninhava-me por baixo da cama, tanto era o medo.
Há 50 anos o nosso país tornou-se livre e democrático. Abriram-se também as portas para se tornar um país mais científica e tecnologicamente avançado. Será talvez tentador pensar que o progresso teria acontecido de qualquer forma, mas basta comparar o Portugal do Estado Novo com outros países na mesma época para vermos que isso não é verdade.
Celebramos meio século do momento mais belo da nossa História. Foi necessário muita coragem, resiliência e resistência para que o 25 de Abril de 1974 chegasse. Tombaram muitos em nome de uma liberdade que em 2024 parece estar ameaçada. Infelizmente, esta crónica é mais sobre isso do que sobre as conquistas tão relevantes, nomeadamente para as mulheres.
Sabemos que no final dos anos 60 e no início dos 70 o mundo se viu invadido por um turbilhão de mudanças culturais e sociais, dando lugar a uma era de liberdade sem precedentes. Este período foi marcado por uma revolução de valores e direitos civis, alimentado pelo desejo de igualdade e explosões de criatividade.