E esse dia de Abril, o poder que nos deu…

ANA PAULA BRITO*
Técnica superior
25 de Abril 2024
E esse dia de Abril, o poder que nos deu…

Quando recebi o convite para escrever um texto sobre a Revolução do 25 de Abril, a minha mente foi de imediato assaltada pela dificuldade sobre o que dizer, pois não vivi o antes da Revolução dos Cravos. Sei apenas o que vou lendo sobre o assunto e as muitas histórias que me contam aqueles que viveram num Portugal de ditadura.

Dizem-me que era um país escuro, de gente triste, pobre, sem instrução, amordaçada. Que era um país onde as mulheres não tinham voz nem direitos e o lápis azul censurava o pensamento de quem sonhava poder partilhar as suas ideias.

Então, como mulher, penso no poder que a Revolução do 25 de Abril nos deu. Precisamos relembrar que o fascismo foi para as mulheres um tempo de silêncio, de opressão, de discriminação e de total ausência de direitos. Elas eram educadas para governar a casa, eles para governarem o país. Elas não podiam ser juízas, diplomatas, militares ou polícias. As enfermeiras e hospedeiras não podiam casar. Quase nenhuma mulher podia votar! Para viajar, trabalhar “fora de casa” ou tomar contracetivos tinham de obter autorização do marido e este era o “chefe de família”. A lista é longa, numa herança cultural que foi passando de mães para filhas, numa prolongada história de desigualdades.

Até que a Revolução de Abril chegou e trouxe com ela a Liberdade. E elas também estiveram lá! Foram muitas as que lutaram na clandestinidade contra o Estado Novo, contra a discriminação que a ditadura lhes impunha. Foram perseguidas, presas, torturadas, humilhadas, censuradas, mas não desistiram na defesa do que achavam ser justo. Criaram o Movimento Democrático das Mulheres (MDM), fizeram greves nas fábricas, participaram em plenários e nos movimentos estudantis.

Com o 25 de Abril de 1974, inicia-se um novo ciclo, fortalece-se o papel da mulher na sociedade com a conquista de direitos que há muito lhe eram negados. A Constituição da República Portuguesa determina a igualdade de direitos entre homens e mulheres; reconhece-lhes os mesmos direitos e deveres na participação civil, política e na educação dos filhos; termina a exigência da autorização do marido para viajar ou exercer uma profissão; aprova-se o direito da mulher ao voto, ao salário igual para trabalho igual, à igualdade de oportunidades na progressão na carreira; admite-se à mulher o direito ao divórcio e à independência do marido, desaparecendo a figura de “chefe de família”; aprova-se a licença de maternidade, consagra-se a natureza pública do crime de violência doméstica, despenaliza-se a interrupção voluntária da gravidez, entre outros empoderamentos da mulher.

Mas, passados 50 anos da Revolução de Abril poderemos dizer que a tão desejada liberdade e igualdade estão conquistadas? Não! Todos sabemos que ainda há um caminho a percorrer, que a igualdade não é verdadeira igualdade, que a mulher continua a não ter acesso igual a salários, à progressão na carreira. Que, por demasiadas vezes, são as cotas que lhe permite aceder a cargos de decisão política, que continua a ser alvo de discriminação no trabalho e sobrecarregada com as tarefas domésticas. As mulheres ainda lutam pela verdadeira democracia.

Esta é a realidade em que cresci. Considero-me, pois, uma herdeira do cravo! Mesmo que ideais como a liberdade de expressão, a igualdade de oportunidades ou o reconhecimento do papel da mulher não estejam plenamente conquistados, ouvir dizer que antigamente é que era bom soa-me a um completo absurdo!

*Bibliotecária Municipal (Biblioteca Municipal de Barcelos)

Foto: ©DR