Pela educação, lutar, lutar!

PATRÍCIA SOUSA
Interlocutora do Luto
25 de Abril 2024
Pela educação, lutar, lutar!

Imaginem a vida de casais como o Manuel e a Maria da Conceição, o João e a Felicidade, o Avelino e a Rosa. Eles não foram apenas nomes de uma lista qualquer, mas pilares de famílias numerosas que jamais conheceram uma sala de aula. As suas histórias desenrolaram-se por entre os regos da terra, onde o trabalho árduo na lavoura era a única promessa de sobrevivência.

Não havia tempo para letras ou números, apenas para o suor do rosto e a esperança de um amanhã mais brando. Enquanto elas se desdobravam em cuidados com a casa e os filhos, eles partiam cedo para os campos, onde o sol queimava as costas e o cansaço escavava sulcos profundos nas suas mãos calejadas. Ler e escrever eram luxos distantes.

E o que dizer de casais como a Emília e o João ou a Rosa e o Manuel? As suas histórias não são muito diferentes. Enquanto os homens se inundavam no suor do trabalho braçal, as mulheres repartiam-se entre os afazeres domésticos e a luta diária para colocar comida na mesa, quase sempre preenchida de muitas crianças. Nunca foram à escola. Mal aprenderam a contar dinheiro.

Já o Manuel e a Maria ingressaram na escola e conseguiram concluir a 4.ª classe. Não lhes foi permitido mais. Começaram a trabalhar quando ainda precisavam de protecção e de muito colo. O trabalho chamou-os na infância, quando o mundo ainda parecia grande demais para compreender. Mais tarde, ele dedicou-se à construção civil e ela trabalhou numa fábrica de rádios.

Esta é a história resumida, mas profundamente emotiva, dos meus bisavós, avós e pais. Uma história que ecoa através de décadas, sussurrando segredos de uma época em que a educação era um privilégio distante.

Antes do 25 de Abril, estudar em Portugal era um privilégio ao alcance de muito poucos. Os meus bisavós e avós, como tantos outros, não tiveram acesso à educação formal, incapazes de ler ou escrever. Os meus pais, por sua vez, alcançaram apenas o 4.º ano de escolaridade, limitados pelas circunstâncias da época. No entanto, foi com a chegada da Revolução dos Cravos que as portas da educação se abriram, oferecendo oportunidades antes inimagináveis.

Há momentos na história de uma nação que transcendem o tempo, moldando o tecido social e redefinindo o curso das vidas individuais. Em Portugal, um desses momentos é o 25 de Abril de 1974. Para muitos, um dia que marcou o início de uma jornada de mudança e de esperança, especialmente no que diz respeito à educação e às oportunidades.

O impacto desse momento histórico na minha própria trajectória foi profundamente significativo. Como membro de uma família cujas gerações anteriores foram privadas do acesso à escola, o 25 de Abril representou uma viragem fundamental. Tive o privilégio de ser a primeira da minha família a prosseguir os estudos e a licenciar-se. Imaginem a ironia das ironias: em Comunicação Social.

Abracei o jornalismo durante 21 anos. Esta oportunidade, que me foi concedida graças aos esforços e sacrifícios daqueles que lutaram pela liberdade, moldou não apenas a minha vida, mas também a minha perspectiva sobre o mundo. Uma profissão que não apenas valoriza o conhecimento, mas também o partilha com o mundo. O jornalismo é uma voz para os sem voz, uma ferramenta para promover a mudança. No entanto, a minha jornada profissional não teria sido possível sem as bases sólidas fornecidas pela educação pós-25 de Abril.

A Revolução de 1974 não abriu apenas as portas das escolas, mas também expandiu os horizontes das oportunidades. Os portugueses foram incentivados a sonhar grande, a buscar conhecimento e a perseguir os seus objectivos com fervor renovado.

Foi também essa liberdade, conquistada com a Revolução de Abril, que me permitiu mudar de vida. É também essa liberdade que permite, hoje, uma mulher deixar a suposta profissão de uma vida para começar do zero. Sim, deixei uma profissão de sonho, por já não me identificar com ela há muito. Foi o 25 de Abril que me permitiu, como mulher, fazer escolhas e abraçar de forma empreendedora uma nova área de estudo. E, outra vez, a ironia das ironias: na área do luto. Se ser jornalista já teria sido algo completamente fora da caixa para os meus antepassados. Trabalhar na área do luto seria totalmente impensável.

Hoje, olho para trás com gratidão pela transformação que o 25 de Abril trouxe para a minha vida e para a de tantos outros. À medida que celebro as minhas próprias conquistas pessoais, não posso deixar de reconhecer a dívida que tenho para com aqueles que lutaram por uma nação onde a educação é um direito, não um privilégio.

À medida que Portugal avança, devemos lembrar e honrar o legado daqueles que tornaram possível essa jornada de transformação. Que o 25 de Abril continue a ser não apenas um marco na história, mas também um poderoso lembrete do poder que a educação tem para mudar vidas e moldar destinos.

Se está tudo bem? Claro que não! Se há muito a fazer por este nosso país? Se há! Mais do que nunca… não esqueçamos as vozes silenciadas que pavimentaram o caminho para um futuro mais brilhante, onde cada criança tem hoje o direito de sonhar e de alcançar as estrelas.

Foto: ©DR