1A riqueza do património arquitetónico religioso, na cidade de Barcelos, está em sintonia com a história ímpar da urbe. Desde a fundação da Colegiada de Santa Maria Maior, passando pela Capela gótica de São Francisco, pelos ex-libris do período Barroco, como a igreja de Nossa Senhora do Terço e o Templo do Senhor Bom Jesus da cruz, percorremos séculos de arte sacra. Exemplares magníficos, construídos pelas mãos de artífices regionais, espelham as condições socioeconómicas dos seus patrocinadores: simples devotos, os Condes de Barcelos e ate monarcas portugueses.
IGREJA MATRIZ DE BARCELOS (MN)
A história da igreja Matriz de Barcelos esta intimamente relacionada com a instituição do Condado de Barcelos no século XIII, mas é nos séculos XIV e XV que o imóvel cresce em área e em importância, com a constituição oficial da Colegiada, em 1464. O edifício, de cariz gótico, ainda apresenta alguns resquícios da arte românica no seu período final, particularmente nos temas dos capitéis historiados do Portal, constituído por cinco arquivoltas rematadas em arcos apontados, apoiadas em 4 pares de colunas de fustes lisos e bases. A rosácea que esta por cima do portal, apesar da sua feição gótica, é obra recente, substituindo os antigos vãos de janelas e porta. Destaque ainda para a torre dos sinos, aqui colocada em 1708. Segundo o Abade de Louro, em 1867, teria 4 sinos.
O interior é constituído por três naves e muitos séculos de transformações. Para ajudar à visita, faremos o percurso altar a altar começando pelo Batistério, onde está a Pia Batismal, em granito, com gradeamento de madeira do século XVIII. Seguindo pela nave do lado esquerdo, ou seja, pelo lado do Evangelho, deparamo-nos com o Altar dos Reis Magos, também ele reformulado no século XVIII, pertença do Morgado do Perdigão que fora instituído no século XVI. Destaque para a tela central e para o epitáfio na pedra sepulcral ali colocada aquando da mudança do altar do pilar para a parede lateral.
Segue-se o altar do Sagrado Coração de Jesus, onde outrora se venerou a Nossa Senhora da Luz e também a Nossa Senhora do Bom Sucesso. Era cabeça do Morgado de que foi administrador Domingos de Faria Leite. Nos finais do século XVIII, inícios do XIX, foi aqui colocada a imagem de Santa Rosália, mandada fazer pelo “padre Mello” da Rua de São Francisco. Hoje a imagem está no nicho após o órgão. No altar seguinte, venera-se, nos nossos dias, Nossa Senhora de Lourdes, num retábulo sem douramento e com paredes cobertas de azulejo. A invocação anterior era a Nossa Senhora da Piedade e nela estava instituída a Irmandade das Almas, cujos estatutos foram confirmados em 1640, demonstrando à sua antiguidade.
Contíguo está, actualmente, o que resta do órgão original do coro da Matriz. Esta peça, cujo entalhamento se atribui a Miguel Coelho, em 1727, e ao organeiro, frei Manuel de S. Bento, foi encaixada na antiga capela de Nossa Senhora da Graça, devido à demolição do coro e às obras de alargamento da Praça (entre o edifício da Câmara e a Igreja), obrigando ao corte da cabeceira da referida capela.
A Capela de Nossa Senhora da Graça seria uma das mais antigas invocações. Nela esteve instituída a “Irmandade dos Çapateiros” cujos estatutos foram reformados em 1545, sendo obviamente anterior a sua constituição. A Irmandade da Graça, que viria a substituir a anterior, tinha entre outras incumbências a de zelar pelos corpos nos enterramentos que nela se faziam. O pequeno nicho que segue o órgão alberga actualmente a imagem de Santa Rosália com uma epígrafe que pertencia à Capela de Nossa Senhora da Graça. Segue-se a Capela de Nossa Senhora do Rosário, com irmandade instituída em 1576. No século XVIII, a invocação era a S. Pedro, estando Nossa Senhora do Rosário no lado oposto, junto à actual sacristia. Hoje é conhecida como Capela de São Nuno, por aqui estarem as relíquias do santo.
Chegamos à capela-mor onde estão as imagens mais emblemáticas da antiga colegiada, em particular a Nossa Senhora da Assunção, peça barroca de grande beleza e a Nossa Senhora da Franqueira, que remontará ao século XV. Ainda, na capela-mor, destaque para a abóbada polinervada com inscrição no fecho central com o monograma de Cristo: IHS e na orla: “ESTA OBRA FEZ BARCELLOS NA ERA DE MSIV” (1504). De invocação a São João Baptista, a sua irmandade era das mais antigas da Colegiada. Ao centro desta capela, manteve-se a sepultura de Manuel Barbosa, que faleceu a 25 de Janeiro de 1596.
Todo o conjunto da cabeceira da Matriz foi muito alterado ao longo dos séculos, a última grande transformação ocorreu em 1927 com os arranjos urbanísticos que viriam a transformar o enquadramento da Igreja. Na capela do Santíssimo Sacramento, é possível apreciar o que resta do cadeiral do coro alto, feito de pau preto, bem como as obras de raiz promovidas pela irmandade do Santíssimo Sacramento, no último quartel do século XVII. Atente, ainda, às quatro telas dos Evangelistas.
Segue-se a Capela de Nossa Senhora das Dores similar à fronteira dedicada a Nossa Senhora de Lourdes. Nos séculos XVIIl e XIX, a invocação era a Santo António, com a sua Irmandade dos Alfaiates.
Antes da demolição da ligação da Colegiada ao Paço dos Condes de Barcelos, seguia-se ao altar de Santo António a porta travessa. Hoje, neste local, está o altar de Nossa Senhora da Graça. Continuando pelo lado da Epístola, em direcção à saída, está o altar de Nossa Senhora da Piedade, outrora da invocação a São Sebastião, onde estava erigida a irmandade dos Sapateiros. Num retábulo mais recente, encontramos Nossa Senhora de Fátima. Aqui estaria o altar de invocação à Santíssima Trindade, onde esteve sediada a antiquíssima irmandade eclesiástica do Divino Espírito Santo e S. Pedro Apóstolo. Segue-se o jazigo dos Pinheiros, do século XVI, com uma inscrição onde se lê: “Sepultura de Álvaro Pinheiro Lobo, Capitão desta vila, e seus ascendentes e descendentes”.
Por último, especial atenção para o revestimento das paredes com painéis de azulejos azuis e brancos, relatando a vida de Nossa Senhora e colocados durante o século XVIII. No século anterior, já existiam azulejos de padrão “tapete” (azuis, amarelos e brancos), como atestam os vestígios na sacristia.
A Igreja Matriz de Barcelos é classificada como Monumento Nacional, desde 15 de Outubro de 1927.
CAPELA DE S. FRANCISCO
Situada em pleno Caminho de Santiago, a Capela de São Francisco começou por ser um templo de dimensões reduzidas, mandado executar por Fernão Anes da Costa por indicação de sua irmã Ignes Annes, a mesma que instituiu o vínculo de São Francisco, em 1509.
A fachada da capela ainda apresenta elementos arquitectónicos da época, como o pórtico de cariz gótico, atribuído ao século XIV. Há quem defenda que terá sido deslocado da antiga Capela de Santa Maria que estava junto ao hospital velho, outros referem que seria a porta lateral da Igreja Matriz.
Acresce ao pórtico a magnífica pedra de armas dos Costa Chaves, envolta numa moldura com uma inscrição gótica que Felgueiras Gayo transcreveu da seguinte forma: “este Oratório se fez pella Alma de Fernão Annes, e Semeterio dos descendentes”.
Após a demolição das casas no actual Largo Dr. Martins Lima, foi colocado na parede um painel de azulejos alusivos a São Cristóvão, imagem que ainda hoje pertence ao acervo da capela, pois aqui era venerado. Há documentação que atesta a saída da imagem na procissão do Corpo de Deus, carregada pelos moleiros.
TEMPLO DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ (IP)
O milagre do aparecimento de uma Cruz, em terra, ao sapateiro João Pires terá ocorrido a 20 de Dezembro de 1504, no local onde hoje se encontra o Templo do Senhor Bom Jesus da Cruz. À data, originou a construção de uma ermida para albergar a Cruz e uma imagem do Senhor dos Passos, trazida da Flandres em 1505. A devoção e as celebrações em torno do aparecimento de várias cruzes, ao longo dos tempos, fizeram crescer o número de esmolas e de devotos, e permitiram que, entre 1705 e 1710, se realizassem obras de vulto, que resultaram no actual Templo.
Este monumento, recheado de arte barroca, é um dos ex-libris do século XVIII, em Portugal.
Atente à exuberância dos altares, os três de talha dourada, da autoria dos artistas Miguel Coelho e Luís Pereira da Costa; às oito pinturas de Manuel Luís Pereira; e aos revestimentos de azulejo, azul e branco, da oficina lisboeta de João Neto da Costa, com representações da Paixão de Cristo.
Destaque, ainda, para o órgão de tubos, também ele uma magnífica obra do século XVIII, bem como para todas as imagens que se encontram nos altares, desde a peça flamenga do Senhor da Cruz, do século XVI, à Senhora das Dores, à Nossa Senhora da Piedade e ao Cristo Crucificado.
O Templo está classificado como Imóvel de Interesse Público, desde 6 de Dezembro de 1958.
IGREJA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO (IM)
No início do século XVII, “os barcelenses pediam um convento de freiras para a sua vila, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição” (Trigueiros, et alli. 1998). As obras começaram, mas, por motivos desconhecidos, foram interrompidas.
Em 1641, o rei D. João IV oferece o edifício, ainda por concluir, aos monges de São Bernardo do mosteiro de Santa Maria de Fiães, mas a mudança acabou por não se concretizar. Em 1649, a oferta é realizada aos franciscanos do Mosteiro da Franqueira que remarcariam a localização do edifício e manteriam as duas comunidades até à extinção das Ordens Religiosas, em 1834.
Nesta data, a Câmara Municipal e a Misericórdia de Barcelos solicitam à rainha D. Maria II as instalações do convento de São Francisco para nele instalarem o hospital que se encontrava na primitiva Rua de Santa Maria, por falta de condições das instalações primitivas. O pedido foi aceite, e os irmãos da Misericórdia instalaram nele o hospital, em 1836. Entre 1889 e 1890, a ala norte foi de novo edificada para o asilo dos inválidos, tendo decorrido novas obras, desta vez na ala sul da igreja, em 1909.
A talha da igreja, com uma só nave, representa a transição do Rococó para o Neoclássico, tendo desaparecido algum do recheio anterior devido a um incêndio nos finais do 3.º quartel do século XIX. Destaque para a imaginária em pedra, na fachada, encimada por Nossa Senhora da Conceição.
O local é digno de visita, pois, para além da igreja, é possível visitar um pequeno núcleo museológico com peças singulares e, por marcação, o arquivo documental, também ele singular, onde, entre alguns pergaminhos, estão os 33 volumes do “Nobiliários de Famílias Portuguesas”, redigido por Manuel José da Costa Felgueiras Gayo.
IGREJA DE NOSSA SENHORA DO TERÇO (IP)
Do antigo convento das Beneditinas, construído entre 1707 e 1713, resta o portão da entrada e a Igreja conventual, cuja porta está voltada para a Avenida dos Combatentes da Grande Guerra.
Outrora, a construção ocupava quase todo o quarteirão, com fachadas para o então Campo dos Touros (hoje Campo 5 de Outubro) e para o Campo da Feira. No interior, possuía um magnífico claustro para onde convergiam as distintas alas.
Actualmente, fica o convite para a visita à igreja, cuja invocação primitiva era a Nossa Senhora da Conceição, tendo passado para Nossa Senhora do Terço, depois da extinção do convento, no século XIX. Nesse momento, a ala conventual foi vendida a particulares e a igreja entregue à Irmandade do Terço, sediada na Capela do Espírito Santo que, entretanto, fora demolida. É entre 1843 e 1846 que a imagem de Nossa Senhora do Terço e a invocação da igreja se altera.
Conhecida como Igreja do Terço, o templo é um dos mais ricos exemplares barrocos de Barcelos, desde os altares em talha dourada aos tectos de caixotões, com pinturas setecentistas, representando a vida de S. Bento, a Sagrada Família ou Santa Gertrudes.
Igualmente esplendorosos são os painéis de azulejos, azuis e brancos, que cobrem as paredes, invocando passagens da Regra de São Bento. Complementam o conjunto artístico várias imagens de vulto e pinturas barrocas e, ainda, um magnífico púlpito de talha dourada, obra de 1730, atribuída ao mestre entabulador Gabriel Rodrigues Alves.
A Igreja de Nossa Senhora do Terço é classificada como Imóvel de Interesse Público, desde 24 de Janeiro de 1967.
CAPELA DE S. BENTO DA BURAQUINHA
Capela de pequenas dimensões, fundada a 4 de Julho de 1650 pelo cónego-cura penitenciário da Colegiada de Barcelos e comissário do Santo Ofício, Dr. Gaspar Pinto Correia. Homem notável, destacou-se nas letras, sendo autor do livro “Lacrimae Lusitanorum”, sobre o duque D. Teodósio de Bragança.
Tinha as suas casas no arrabalde do Espírito Santo e, por ser devoto “do Patriarcha S. Bento, mandou fazer uma capela no Monte de Santa Maria Madalena” que ficava por trás do seu quintal.
No interior, é visível um altar renascentista, alterado no século XIX, e, no chão, a sepultura do seu instituidor com a inscrição e a data do seu óbito, 4 de Maio de 1666.
CAPELA DE S. JOSÉ
Surge, no século XVIII, com a reconstrução da antiga Capela de Santa Maria Madalena, que alguns dizem remontar ao século XV. Em 1680, a Irmandade das Almas e os “carpinteiros da vila de Barcelos” fazem um acordo para aumentarem e usarem a capela de invocação a Santa Maria Madalena.
A Irmandade argumentava que a Capela do Espírito Santo, na Colegiada, era muito limitada para as suas necessidades e os Carpinteiros alegavam que não tinham onde colocar as suas imagens e que era nela que festejavam o Mistério do Desterro. Por isso, ficaram estes últimos de renovar os telhados, o madeiramento e as portas, bem como caiarem as paredes. Com o aumento da capelinha e os seus novos cuidadores, a invocação de Santa Maria Madalena vai sendo substituída pela de S. José, resistindo na fachada, num nicho por cima da porta a imagem em pedra da Santa protectora dos estudantes.
Legenda: MN – Monumento Nacional; IP – Monumento de Interesse Público; IM – Monumento de Interesse Municipal
1Textos extraídos da brochura “Igrejas e capelas de Barcelos – Séculos XIII-XVIII”, sob autorização da Câmara Municipal de Barcelos.